Atendendo à relevância que vai assumindo na realidade social, afirmando-se mesmo como uma nova forma de família, impõe-se uma análise da posição sucessória do convivente sobrevivo na união de facto.
Do ponto de vista sucessório, o convivente sobrevivo, não sendo herdeiro legal, pode ser herdeiro testamentário do falecido, nos termos gerais dos arts. 2179.º e segs.
É de realçar que não pode existir qualquer caso de indisponibilidade relativa, previstos nos arts. 2192.º e segs., e, em especial, no art. 2196.º, n.º 1. Em função do vínculo especial que o testador mantém com uma determinada pessoa a lei estabelece certas proibições de testar, certos casos de indisponibilidades relativas testamentárias. Assim, é nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério (art. 2196.º, n.º 1). O n.º 2 do referido art. 2196.º considera, porém, não haver nulidade da disposição testamentária se o casamento já estava dissolvido ou os cônjuges estavam separados de pessoas e bens à data da abertura da sucessão (al. a)) ou se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário, tratando-se, portanto, de um legado de alimentos (al. b)).
Face à Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, o convivente sobrevivo goza ainda de direitos relativos à atribuição da casa de morada comum e à transmissão do direito de arrendamento (art. 5.º da referida lei e art. 1106.º do Código Civil).
O art. 5.º, n.º 1, da referida lei, atribui ao membro sobrevivo um direito real de habitação da casa de morada da família, propriedade do membro falecido, e um direito de uso do respetivo recheio, pelo prazo de cinco anos. Se os membros da união de facto eram comproprietários da casa de morada da família e do respetivo recheio, o sobrevivo tem os direitos referidos, em exclusivo (n.º 3). No caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes da morte, os mesmos direitos são conferidos por tempo igual ao da duração da união (n.º 2).
Excecionalmente, e por motivos de equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos anteriormente referidos considerando, designadamente, os cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa (n.º 4).
Se o interessado não habitar a casa por mais de um ano, os direitos em causa caducam, salvo se a falta de habitação for devida a motivo de força maior (n.º 5).
A atribuição do direito real de habitação da casa de morada da família tem a natureza de um legado legal (e imperativo). De facto, além da possibilidade de existência de legados testamentários e contratuais pode falar-se em legado legal, à luz do art. 5.º, que prevê um direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, a favor do convivente sobrevivo, relativamente à casa de morada comum.
Esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respetivo contrato, salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas adaptações (art. 5.º, n.º 7). Na falta de acordo sobre as condições do contrato, o tribunal pode fixá-las, ouvidos os interessados.
O membro sobrevivo tem também direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o tempo em que o habitar a qualquer título (n.º 9).
No caso de a casa de morada da família ser arrendada, o membro sobrevivo beneficia da proteção prevista no artigo 1106.º do Código Civil. Assim, o direito ao arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva pessoa que com ele vivesse no locado em união de facto há mais de um ano. Se o arrendatário era o membro falecido, a sua posição transmite-se ao membro sobrevivo; se no contrato de arrendamento constavam como arrendatários ambos os membros, a morte de um provoca a concentração do arrendamento no outro.
Importa ainda referir o regime de acesso às prestações por morte de que beneficia o membro sobrevivo, nos termos dos arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 2/2016, de 29 de fevereiro.
Independentemente da necessidade de alimentos, o membro sobrevivo da união de facto beneficia de proteção social por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social (subsídios por morte e pensão de sobrevivência); tem direito a prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional; e às pensões de preço de sangue e por serviços excecionais e relevantes prestados ao País (arts. 3.º, als. e), f), e g), e 6.º). A entidade responsável pelo pagamento das prestações, tendo fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação, salvo se a união de facto tenha durado pelo menos quatro anos (art. 6.º, n.ºs 2 e 3)
De mencionar, por fim, no caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o direito do sobrevivo de exigir ao autor da lesão uma indemnização pelos prejuízos sofridos. O convivente sobrevivo tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais, se o falecido lhe prestava alimentos, nos termos do n.º 3 do art. 495.º, e por danos não patrimoniais. De facto, prevê o art. 496.º, n.ºs 2 e 3, que, por morte da vítima, se esta vivia em união de facto, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
As recentes alterações na estrutura da família, o progressivo aumento dos casais que vivem em união de facto e o entendimento de que o direito sucessório deve assegurar o destino dos bens do falecido privilegiando aqueles que com este tinham uma maior relação afetiva e de entreajuda, levam alguns autores a considerar adequado uma equiparação da posição do convivente sobrevivo aos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo.