Não!
O contrato de trabalho impõe a ideia de que “um manda e outros obedecem”, no sentido em que uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade (intelectual ou manual) a outra no âmbito da organização e sob a autoridade desta.
Da relação laboral resultam, portanto, três elementos essenciais: a prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação jurídica.
A questão, que aqui se coloca, é a de saber se a autoridade do empregador pode incidir sobre os relacionamentos amorosos, consentidos, dos seus trabalhadores – relação amorosa entre colegas.
Ora, os relacionamentos afetuosos e amorosos de cada trabalhador recaem sobre a esfera da sua vida privada, sendo que, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é um dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição e recebe proteção em vários instrumentos internacionais.
A própria lei laboral regula no art.16º,nº1 que “o empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada”, acrescentando ainda que este direito à reserva da intimidade da vida privada abrange “ quer o acesso, quer a divulgação de aspetos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afetiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas”. Ora, o disposto neste artigo deverá ser complementado com disposto no art. 17º a 22º do CT, onde se encontram ilustradas as diferentes manifestações deste direito à reserva da vida privada
Assim sendo, parece-nos que as relações amorosas que cada trabalhador mantém com quem quer que seja (ainda que se trate de um colega de trabalho) contende com a reserva da intimidade da sua vida privada a qual deverá ser respeitada pelo empregador.
A ser assim, o empregador não poderá, em principio, proibir que dois ou mais trabalhadores mantenham um relacionamento amoroso!
MAS, E SE ESSA PROIBIÇÃO CONSTAR DO REGULAMENTO INTERNO DA EMPRESA?
Como se disse, o controlo do empregador (no local e tempo de trabalho) não pode afetar o direito à reserva da vida privada do trabalhador.
Por esse motivo, o poder do empregador deverá cessar assim que o trabalhador se encontre fora do horário e local de trabalhado, sendo-lhe reservado a faculdade de gerir a sua vida intima da forma que bem entender.
Posto isto, se do regulamento interno resultar a proibição de os trabalhadores se envolverem afetuosamente entre si – tal proibição não poderá ter carácter vinculativo, por constituir uma violação do direito à reserva da vida privada dos trabalhadores.
HAVERÁ ALGUM CASO EM QUE UMA RELAÇÃO ENTRE DOIS COLEGAS PODERÁ LEVAR A UM DESPEDIMENTO POR JUSTA CAUSA?
Em principio não.
Como se disse, o facto de um trabalhador manter um relacionamento amoroso com um colega de trabalho não constitui, per si, justa causa de despedimento.
No entanto, a liberdade de cada trabalhador se relacionar com quem entender não pode por em causa o exercício das suas funções laborais, cabendo-lhes a contenção necessária para a manifestação de afetos no local e durante o tempo de trabalho – devendo imperar o bom sendo quer por parte dos trabalhadores, quer por parte do empregador.
Neste sentido, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, de 29 de abril de 2019 que: “A prática de atos amorosos entre uma trabalhadora e o namorado não pode ser manifestada no local e durante o horário de trabalho – bar/café de “bomba de gasolina” -, que sendo um espaço privado, é de acesso público; Tal comportamento, em abstracto, é censurável, constituindo infracção disciplinar”, no entanto considerou que a sanção de despedimento com justa causa da trabalhadora era excessiva, “bastando uma mera advertência verbal do empregador”.